O Centro Infantil Boldrini, hospital filantrópico que é referência na América Latina no tratamento de crianças e adolescentes com doenças onco-hematológicas, acaba de adquirir aparelho de espectrometria de massa capaz de delimitar o diagnóstico de tumores cerebrais malignos a nível molecular durante a realização de cirurgias. Os estudos em pacientes da tecnologia são inéditos nos hospitais pediátricos de todo o mundo e devem começar ainda no mês de junho. Estudos estrangeiros em adultos demonstram que a tecnologia representa um grande avanço para o sucesso dos tratamentos, pois, na prática, tem como principal objetivo certificar, durante uma cirurgia oncológica, que todo o tecido tumoral foi removido do corpo do paciente.
“A precisão da retirada do tumor é um dos fatores mais importantes quando falamos em cirurgias no cérebro. As taxas de cura e sequelas estão relacionadas a isso, pois o objetivo é garantir que toda a circunferência do tecido tumoral seja retirada, sob os mínimos riscos possíveis aos pacientes. Desta forma, essa tecnologia agrega e revoluciona essa prática. Com o uso do equipamento, o Boldrini terá, dentro de 2 a 3 anos, seus próprios estudos de casos demonstrando a eficácia do método. Até agora esse é o primeiro estudo no mundo em crianças e estamos muito positivos ”, avalia a Dra. Izilda Cardinalli, patologista do Centro Infantil Boldrini.
Com o aparelho, é possível identificar, classificar e mapear tumores cerebrais em crianças e adolescentes por meio de técnicas de Espectrometria de Massas via Desorção/Ionização em Condições Ambientais (DESI e EASI), a partir da própria lâmina com o tecido.
“Com um pequeno fragmento do tecido sobre uma lâmina, é feito um mapeamento químico, sem nenhum preparo na amostra. Este escaneamento detecta os componentes químicos que estão presentes ali: lipídios, proteínas e peptídeos.Esse perfil muda drasticamente no caso de tecido sadio ou tumor”, explica a Dra. Izilda Cardinalli, patologista do Centro Infantil Boldrini. “Esta diferença entre tumores e células sadias ou tumores malignos e benignos nem sempre é perceptível pelas análises morfológicas uma vez que muitas neoplasias têm a morfologia muito similar”, completa.
A médica patologista do Boldrini cita referências de 2007 da Organização Mundial de Saúde (OMS), apontando que os tumores primários de Sistema Nervoso Central (SNC) exibem um amplo espectro de subtipos histológicos. De acordo com as informações da OMS estes tipos de tumores representam um verdadeiro desafio na reprodutibilidade do diagnóstico, sendo capazes de gerar discordâncias em até 30% dos casos, mesmo entre os mais experientes neuropatologistas.
“Somente com a microscopia óptica é muito difícil fazer o diagnóstico dos tumores. Mesmo para os patologistas mais experientes é um desafio. Agora, com esta técnica, será possível fazer um diagnóstico diferencial, mais exato e completo, no nível molecular, somando ao diagnóstico convencional já existente”, reconhece Izilda, que possui doutorado pela Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.
Ela exemplifica, citando a dificuldade do diagnóstico convencional especificamente em gliomas, tumores comuns em crianças e adolescentes. “É difícil até saber o que é tumor e separá-lo do tecido normal. Portanto, um desafio é o cirurgião saber até onde ele pode retirar o tumor. E você imagina o risco disso no cérebro humano.”
A técnica inédita utilizada no espectrômetro de massa adquirido pelo Boldrini, Espectrometria de Massas via Desorção/Ionização em Condições Ambientais (do inglês, Easy Ambient Sonics prayIonization), foi desenvolvida pelo professor do Instituto de Química da Unicamp, Marcos Nogueira Eberlin, a partir de parceria entre a Universidade e o Laboratório ThoMson, fundado e comandado por ele. “Esta técnica é hoje, talvez, a mais eficiente e utilizada na área. Mas, nunca ninguém tinha empregado estas técnicas para o diagnóstico de neoplasias. Foi Lívia Eberlin, minha filha graduada pela Unicamp, a primeira pesquisadora no mundo a colocar um espectrômetro de massas numa sala cirúrgica e usar estas técnicas para o diagnóstico de tumores. Ela fez isso no hospital da escola de medicina de Harvard e Stanford, recebendo diversos prêmios. Agora, além dessas universidades americanas, o Boldrini vai contar com um espectrômetro de massas na sua sala cirúrgica. O primeiro a ser dedicado aos tumores infantis. Isso será certamente pioneiro e um grande feito para o Brasil”, afirma Ebelin, ressaltando que “o Centro Boldrini tem duas peculiaridades que estimularam ainda mais a parceria para a pesquisa: a assistência às crianças e adolescentes e o atendimento majoritário a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS)”.